Ubiratã Batista Pereira – conselheiro do CRCBA
O real sentido da expressão Receita no aspecto conceitual, tem sido objeto de proveitosas discussões entre Contadores e Advogados, especialmente pelo fato da abrangência do seu sentido e das repercussões de natureza patrimonial ou tributária de sua existência.
A norma contábil que trata do tema, apresentava uma definição mais extensa, tentando esgotar todos os sentidos possíveis da palavra: Receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais;
A versão nova da Norma Brasileira de Contabilidade CPC 00 (R2) de 10.12.19 que alterou a redação anterior, preferiu uma definição resumida e mais abrangente: Receitas são aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio.
Dessa informação, podemos explicitar o seu conteúdo de forma exemplificativa, assim:
- Aumentos nos Ativos decorrem de venda à vista através do pagamento em moeda corrente/depósito bancário ou de contas a receber, a serem liquidadas em datas de vencimento pré-determinadas.
- As reduções de passivo compreendem pagamentos antecipados de obrigações, consideradas em relação à data de vencimento, geram descontos financeiros. Quase sempre a condição de pagamento antecipado e do benefício, estão previstos no título de crédito correspondente;
- As contribuições de detentores de direito sobre o patrimônio não se configuram como Receita, por se tratar de recursos provenientes de sócios ou acionistas destinadas a aumento do Capital Social nas empresas em geral ou provenientes da venda de Bônus de Subscrição, por exemplo, nas Sociedades por Ações.
Pode-se acrescentar que a Receita, quase sempre, gera entrada de recursos financeiros, mas pode ser apresentada de outras maneiras, algumas citadas abaixo;
- O recebimento do valor correspondente a um direito representado por título de crédito, quando o devedor realiza esse pagamento de forma extemporânea em relação a data de vencimento, gera um acréscimo ao valor principal denominado de Receita de Juros.
- O recurso financeiro colocado como aplicação financeira numa instituição financeira será remunerado em função de taxa e tempo, será denominado de Rendimento da Aplicação Financeira e também classificada como Receita.
- O desconto financeiro representado pelo pagamento antecipado de uma dívida a fornecedor ou instituição financeira, gera Desconto Financeiro Obtido que é Receita
- O investidor no Capital Social de uma empresa, remunerado através da repartição do lucro e contabilizada como Receita de Dividendos;
- O investidor que adquire um título de dívida denominado de Debêntur no mercado financeiro, será remunerado com juros e participação nos lucros, respectivamente denominados de Receita de Juros e Receita de Participação.
Por outro lado, existem atividades empresariais cuja operação do objeto social configura-se através da entrada de recursos embora não represente Receita. É o caso das Empresas de Intermediação de Mão de Obra e das Agência de Propaganda e Publicidade.
A Receita gerada numa empresa de Intermediação de Mão de Obra será o percentual aplicado sobre o valor da cessão de mão de obra, que corresponde ao serviço prestado.
Numa Agência de Propaganda e Publicidade a Receita será decorrente da aplicação de percentual sobre o total da contratação de profissionais de diversas mídias ligados a esse ofício. A citação abaixo é didática em relação ao fato:
O CONCEITO DE RECEITA
Um dos casos mais recorrentes em que foi necessária a abordagem do conceito de Receita, referia-se à base de cálculo do ISS, em que a dificuldade estava justamente em se fazer a distinção entre o que de fato correspondia ao preço do serviço e as meras “entradas” de numerário destinadas à prestação dos serviços respectivos.
Casos típicos dessa discussão – relativa ao ISS – eram aqueles das sociedades prestadoras de serviço de recrutamento de mão-de-obra temporária, ou, ainda, das agências de publicidade e de turismo
Naquelas ocasiões a doutrina realmente apontou a diferença entre (a) meros “ingressos”(ou “entradas”) e (b) a “receita”, nesse caso entendida como o preço do serviço prestado (base de cálculo do ISS).(KNOPFELMACER, Marcelo. O CONCEITO DE RECEITA NA CONSTITUIÇÃO. IPT-Instituto de Pesquisas Tributárias. TESES TRIBUTÁRIAS: São Paulo: Quartier Latin, 2010
A reflexão acima toca levemente no aspecto fático do que significa a geração de uma Receita numa atividade empresarial, sempre representado primariamente pelo seu objeto social, além de outros situações e possibilidades citadas acima. Portanto, obter Receita sempre está acompanhado do óbvio de concluir que nessa operação, parte desse recurso pertence à União, Estados Municípios e Distrito Federal através de Impostos e Contribuições, embora não seja essa a única maneira de tributar. Por razões óbvias também, considerar a realidade da atividade empresaria, terá pressuposto de pensar em Planejamento Tributário.
- A expressão PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO quase sempre utilizada no sentido de ELISÃO FISCAL, é a estratégia que permite pagar menos tributos de forma legal, em qualquer situação. Existem Basicamente 3 espécies de TRIBUTOS os quais incidem sobre:
- RECEITA decorrente da venda de bens e serviços (quase sempre), como é o caso do ICMS, II, ISS, cbs, (o caso vigente) etc.
- PATRIMÔNIO decorrentes da propriedade de bens móveis e/ou imóveis, como se aplica ao IPTU (bens imóveis na cidade), ITR (bens imóveis rurais), IPVA (veículos automotores), IOF (operações de empréstimos e financiamentos);
- LUCRO, representado pela Contribuição Social sobre Lucro e Imposto de Renda.
Do ponto de vista prático, um bom planejamento tributário deveria resultar em duas consequências básicas: (1) pagar menos TRIBUTOS e (2) distribuir o maior valor financeiro possível, através de LUCROS e/ou DIVIDENDOS. Quase sempre essa prática é aplicada para os tributos que incidem sobre o lucro, no pressuposto de que os tributos sobre a Receita da Venda de Bens e Serviços, estão sempre “amarrados” à legislação correspondente, o que limita a utilização do procedimento.
Numa perspectiva puramente antiética, a EVASÃO FISCAL é representada, quase sempre, por sua forma mais conhecida: a SONEGAÇÃO FISCAL. Assim, vender bens ou serviços sem emitir o documento fiscal correspondente, tem sido a forma mais comum dessa prática desaconselhável.
O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO começa a partir da FORMAÇÃO DA RECEITA DE VENDA do bem ou serviço, e para isso são indispensáveis 3 elementos:
- O CUSTO DE AQUISIÇÃO (bens para revenda), de CUSTO DE FABRICAÇÃO (matéria prima que gera produto para venda) ou CUSTO DE SERVIÇO, (representado pelo “custo intelectual/pessoal”, como é o caso dos SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS e CONTÁBEIS);
- Os TRIBUTOS embutidos no preço, considerando as especificidades da mercadoria, produto ou prestação de serviço, associados à uma das FORMA DE TRIBUTAÇÃO vigentes;
- MARGEM DE LUCRO estabelecida para o bem ou serviço a ser vendido ou prestado.
Assim, numa empresa que vende bens (mercadorias ou produtos) ou serviços (de qualquer natureza), a geração da receita quase sempre estará representada pela tradição: o vendedor transfere para o comprador a posse e/ou propriedade do bem ou realiza a prestação do serviço correspondente, recebe o valor em moeda corrente/transferência bancária ou gera direito através de cartão de crédito ou título equivalente.
Entre as pessoas jurídicas de direito privado, as Sociedades Empresárias têm como objetivo principal a geração de lucro, o qual será repartido entre os sócios ou acionistas. Nesse contexto a formação da Receita (positivo) surge como elemento primeiro, e a partir dele o elemento DESPESA ou CUSTO. Nada mais além do confronto algébrico dessas duas variáveis, determinará as alternativas de LUCRO ou PREJUÍZO.
Depois dessa reflexão de forma abrangente, vamos focar essa geração de receita numa empresa de prestação de serviços, e no caso, especialmente uma organização empresarial de Contador ou Advogado.
Analisamos aqui uma pessoa jurídica de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS onde a geração da RECEITA, acontece às vezes de forma convencional, mas com características bem peculiares, como se espera de simples prestação “intelectual”, sem acréscimo de outros componentes econômicos, como acontece em outras atividades de serviço.
Assim, imagine-se um jovem Advogado que tem R$ 10.000,00 na pessoa física, em forma de poupança. Isso representa o seu Capital. Se resolve constituir uma sociedade unipessoal, por exemplo, e esse valor será chamado de Capital Social na pessoa jurídica.
Ao ser contratado para prestar sua 1ª consultoria, já sob a forma de pessoa jurídica, “sonha” com margem de lucro de R$ 4.000,00 de acréscimo patrimonial. Esse é o nome “chique” que se dá ao Lucro. Nesse caso, o preço do serviço é composto dos elementos abaixo destacados:
- As “horas de trabalho” dispensadas à consultoria tributária, que a Contabilidade chama de Custo de Produção do Serviço. Imagine-se que o Advogado vai “disponibilizar” 20 horas do seu tempo para essa consultoria, para qual estimou um preço/hora de R$ 300,00 o que totaliza R$ 6.000,00 mensais.
- Os Tributos sobre o Serviço, aqui representados apenas pela CBS de 12,0% e ISS à base de 2,0%, totalizando 14,00%, desconsiderando-se nesse caso, a Contribuição Social sobre o Lucro e Imposto de Renda, apenas para efeito didático.
- Margem de Lucro estimada de R$ 4.000,00 livre de custos e tributos.
A partir das informações acima, segue-se a necessidade de aplicar uma lógica negocial, válida para a maioria dos negócios, utilizada em boa parte do mundo:
RECEITA DA VENDA DO SERVIÇO (RVS) = Custo de Produção (ou Custo do Serviço, Custo da Mercadoria, Custo do Produto, etc.) + Tributos sobre a Operação + Margem de Lucro
Dessa equação de 1º grau é possível determinar por qual preço o serviço deveria ser vendido, para que ao final, a “riqueza patrimonial” chamada lucro seja de R$ 4.000,00
Mesmo para aqueles pouco afeitos à equação do primeiro grau, a rigor, como incógnita tem-se apenas o elemento RECEITA (RVS). Os demais são conhecidos, mesmo na forma percentual e que poderia ser demonstrada assim:
RVS = [R$ 6.000,00 “Custo Horas de Trabalho”] + [14,0% ou 0,14 RVS] + [R$ 4.000,00 da Margem de Lucro]
RVS = (R$ 6.000,00) + (0,14 RVS) + (R$ 4.000,00)
1 RVS – 0,14 RVS = 6.000,00 + 4.000,00
0,86 RVS = 10.000,00
RVS = 10.000,00 ÷ 0,86
RECEITA DE VENDA DO SERVIÇO (RVS) = R$ 11.627,91
Assim, mesmo sem necessidade de lançamentos contábeis, é possível elaborar a Formação do Resultado visando demonstrar o lucro final de R$ 4.000,00, exigindo-se para isso apenas conhecimentos de aritmética do ensino fundamental;
DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO DO PERÍODO
Observe-se que nesse caso, o jovem Advogado atendeu aos aspectos formais:
- Prestou o serviço, emitiu nota fiscal e possivelmente sofreu retenções tributárias conforme legislação em vigor, no valor correspondente a RECEITA de R$ 11.627,91
- Destacou os TRIBUTOS devidos na operação no valor total de R$ 1.627,91;
- Atribuiu a si mesmo a “remuneração” de 6.000,00 (CUSTO DO SERVIÇO) pelas horas de trabalho do seu ofício (uma espécie de “pro-labore);
- Obteve o lucro esperado de R$ 4.000,00, porque o tomador aceitou pagar os R$ 11.627,91. Qualquer negociação para menos ou para mais no valor a ser cobrado do Tomador, implicaria na redução ou majoração dos R$ 4.000,00 previstos, e portanto a equação teria outros valores na sua configuração;
Algumas observações de ordem prática podem ser aplicadas aqui:
- Na atividade de SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS nem sempre é possível estimar as “horas de trabalho, e cobrar um preço pelo seu “fornecimento”. Quase sempre isso é aplicado em atividade que exige uma remuneração por horas efetivas de trabalho prestadas;
- Quando se trata de trabalho do profissional do Direito na pessoa física, a sua remuneração é baseada em tabela do órgão de classe ou de negociação direta com o cliente pessoa física ou jurídica. Somente quando presta serviços a pessoa jurídica é que, a depender do valor, poderá sofre retenção de Imposto de Renda.
É simples assim que a Contabilidade, demonstra e explica o “fenômeno contábil” a partir do “fenômeno jurídico” do serviço prestado, ao registrar como RECEITA o total da do valor do valor referente à operação, chamando os R$ 11.627,91 de Receita.
Portanto, riqueza patrimonial no sentido lato, não é apenas o elemento representativo do confronto das Receitas e Despesas num determinado período. Para esse jovem Advogado é observar que, se no início de um período tinha Capital Próprio de R$ 10.000,00 e agora tem R$ 14.000,00, houve crescimento de 40%, nesse caso, pois o confronto entre Receitas e Despesas/Custos gerou esses R$ 4.000,00 de Lucro;
Ao atribuir aos R$ 6.000,00 o nome de “Custo da Produção” prestado pelo próprio profissional (poderia ter sido por um terceiro), seria apelidado de “dinheiro para os gastos pessoais e familiares”, representado aqui como “pró-labore”. Porém os R$ 4.000,00 finais, estes sim, seriam a “Riqueza” que poderá ser utilizada livremente para consumo ou poupança, com total liberdade de uso.
Finalmente, à riqueza chamada LUCRO no valor de R$ 4.000,00, soma-se os R$ 10.000,00 de Capital Inicial, representando agora um Patrimônio Líquido de R$ 14.000,00.
Simples assim, como se espera das coisas simples que a Contabilidade pretende demonstrar.