|
A
Lei Complementar nº 123, de 2006, que criou o Simples Nacional, com vigência
desde o último dia 1º de julho, diz taxativamente em seu art. 23 que
"As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples
Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos
relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples
Nacional". Numa rápida interpretação literal deste dispositivo, é
de se concluir que uma empresa adquirente de produtos fabricados por uma
empresa optante pelo Simples Nacional não tem direito de obter créditos
relativos a impostos e contribuições, tais como IPI, ICMS, PIS/Pasep e
Cofins.
Com essa interpretação, as empresas adquirentes de produtos fabricados
pelas empresas optantes pelo Simples Nacional ficariam impedidas de
descontar créditos de PIS/Pasep e Cofins correspondentes às compras
efetuadas, nas hipóteses destas apurarem essas contribuições na forma não-cumulativa.
Esse entendimento não pode prosperar porque os créditos a serem
descontados de PIS/Pasep e Cofins seguem uma metodologia distinta dos créditos
oriundos dos impostos indiretos como o IPI e o ICMS, já que estes são
essencialmente não-cumulativos, na verdadeira expressão da palavra.
Pelas Leis nº 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, instituidoras do
PIS/Pasep e da Cofins, respectivamente, a empresa pode descontar créditos
nas aquisições de mercadorias e/ou produtos, independentemente da forma de
tributação do fornecedor, ou seja, o desconto do crédito é possível
independentemente de o fornecedor ser tributado pelo lucro presumido, lucro
real, lucro arbitrado ou mesmo optante pelo Simples Federal. Existe,
inclusive, previsão legal de se apurar crédito presumido na compra de
insumos agrícolas adquiridos de pessoas físicas, mesmo não sendo
contribuintes. A regra para o Simples Nacional é a mesma.
Pelas normas acima, a não-cumulatividade das contribuições difere
bastante da não-cumulatividade dos impostos como o ICMS e o IPI, em que são
creditados valores pagos nas etapas anteriores. No caso das contribuições,
não existe uma compensação como o valor pago ou devido nas etapas
anteriores, mas uma permissão legal de dedução de créditos, que não
recai unicamente sobre a compra de mercadorias, mas sobre consumo de energia
elétrica, no aluguel pago a pessoa jurídica, na depreciação de bens
aplicados na produção de bens e serviços, entre outros tipos de créditos
que não tem nada a ver com débitos devidos nas etapas anteriores.
A própria Constituição Federal faz a diferença entre a não-cumulatividade
do ICMS e das contribuições. Quanto a não-cumulatividade do ICMS, a CF em
seu art. 155, § 2º, inciso I, diz que o ICMS "será não-cumulativo,
compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação
da mercadoria ou prestação de serviços com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal". No que
se refere às contribuições, o artigo 195, parágrafo 12º da Constituição
determina que "a lei definirá os setores de atividade econômica para
os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, alínea b, e
inciso IV do caput serão não-cumulativas". Assim, vale notar que a não-cumulatividade
do PIS/Pasep e da Cofins advém de um permissivo constitucional para que as
mesmas, segundo definição legal, sejam não-cumulativas.
Vê-se que o comando constitucional deixa ao critério do legislador a forma
de se apurar a não-cumulatividade das contribuições, em que admitiu não
só descontar créditos sobre custos, mas admitiu também o desconto de créditos
sobre algumas despesas, sem nenhuma relação com as etapas anteriores.
Na realidade, a não-culumatividade dessas contribuições é feita de uma
forma diferente da não-cumulatividade tradicional em que se transfere
valores devidos em etapas anteriores, mas feita de forma ambígua, estando
mais para o imposto de renda do que para o ICMS.
Diante do exposto, ob serva-se que a não-cumulatividade do PIS/Pasep e da
Cofins não leva em consideração pagamento ou débitos devidos em etapas
anteriores, mas sim, em virtude da permissão legal. Portanto, não pode
prosperar a idéia de não se admitir o desconto de crédito das contribuições
nas compras de mercadorias e/ou produtos de empresas optantes pelo Simples
Nacional.
A idéia de que não se pode obter o desconto de crédito (não é transferência
de créditos) nas aquisições de mercadorias e/ou produtos adquiridos de ME
ou de EPP optantes pelo Simples Nacional afronta o tratamento diferenciado e
favorecido pregado pela Constituição Federal a essas empresas. Já basta a
bi-tributação do ICMS, em que é cobrado o ICMS na fronteira (antecipação),
mas não é compensado na apuração do Simples Nacional em que é pago sem
o desconto, além de não poder ser transferido nenhum crédito para o
adquirente, ensejando sérios prejuízos para a ME ou EPP, tendo em vista
que as empresas compradoras, não optantes pelo Simples Nacional, estão
exigindo desconto no preço de venda das mercadorias por conta da não
transferência desses créditos. Nesse último caso, é um verdadeiro tiro
no pé. No Ceará, as pequenas indústrias de confecções vêm sofrendo
esse desgaste.
A Resolução do CGSN nº 10, de 28.6.2007, alterada pela Resolução CGSN nº
20, de 15.8.2007, diz taxativamente, no que se refere ao documentário
fiscal emitido pela empresa optante pelo Simples Nacional, em seu art. 2º,
§ 2º, inciso II, que deverão constar no corpo da nota fiscal de
mercadorias ou de serviços às expressões: "DOCUMENTO EMITIDO POR ME
OU EPP OPTANTE PELO SIMPLES NACIONAL" e "NÃO GERA DIREITO A CRÉDITO
FISCAL DE ICMS, DE ISS E DE IPI". Com isso, a norma legal excluiu
qualquer hipótese de não se admitir o direito ao desconto de crédito do
PIS/Pasep e do Cofins pelas empresas que apuram essas contribuições como
base no regime não-cumulativo.
|